COM SALINGER, EM LUANDA

O ar condicionado bate nas minhas costas e nesse mundo nada refrigerado sou pego de surpresa, aqui em Luanda,com a notícia da morte de J.D Salinger. Na verdade não fui pego de surpresa pois sempre considerei que o Salinger estava morto faz muito tempo.Apenas seu espectro físico residia entre o mundo dos vivos pois sua aura literária, seu espectro que representava tempos idos e vividos, estava morto há muito tempo. Desde o tempo em que soubemos que a felicidade não era um revólver quente quando o assassino de John Lennon garantia ter se inspirado no Holden Caufield de Salinger para encher de balaços o ex-beatle. Clichê ou não, ali ,na frente do Dakota, em New York estava mesmo decretado que o sonho tinha acabado e que Salinger tinha morrido faz tempo pois o tempo da transgressão não consentida morria ali .Junto de Lennon, junto do livro, junto do assassino Chapman. Tudo morria junto com Nova York pré 11 de setembro, pré era Bush. Salinger já era então um espectro de si mesmo, lenda viva, homem que teria se refugiado com rifles , cães e mau humor em algum sítio perdido nos confins jecas americanos. O Salinger velho matara já seu Salinger moço e se recusava em dar as caras ao mundo. Tudo que se venha agora a falar dele é mera especulação e , de verdade, não me interessa. Interessa a mim e a milhões de leitores que o amavam tudo aquilo que ele representou a par sua intensa e imensa qualidade literária. Quando eu vejo a foto de Salinger e leio as coisas dele me pergunto como vermes como Sarney e outros parasitas podem usar o santo epíteto de "escritor" em vão. Escritores mais que escreverem , os de verdade, permanecem porque desafinaram o coro dos contentes. Salinger foi maestro nesse coro e morreu velho. Nada li a respeito de sua morte a não ser a noticia de sua própria morte. Portanto sequer sei se especulam que ele tenha deixado escritos inéditos. Mas na verdade isso também não importa. O que importa mesmo é que o ar condicionado me alivia do mormaço dessa noite de Luanda onde os erráticos passos de Holden Caufield riscam o assoalho da memória de minha própria juventude. Adeus Salinger...

Comentários

Nos meus devaneios dos tempos em que resolvi ser jornalista, sonhava ser o cara que achou Salinger e para quem ele aceitou dar uma longa e paciente entrevista. Acho que até ontem ainda queria acreditar nisso.

abs,
Fernando Salles
Francys Oliva disse…
Bom dia, não sou escritora, nada sei em relação a escrita, a única coisa que sei que a cada minuto, há pessoas que se dizem escritoras, e sua escrita não alimenta a minha alma, e, os verdadeiros escritores ficam muitas vezes no anonimato e infelizmente só aparecem quando morrem(isto é uma pena).
Beijitus.

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