SORTE. A ALMA SATURADA DE POESIA

Estou aos poucos voltando a andar de mãos dadas com a poesia. Não que durante esses anos todos eu a tenha abandonado ou deixado de amá-la. Apenas a fui deixando ao relento não a assumindo em público como se ela fosse uma amante feia ou gorda de quem devesse me envergonhar. Mas não devemos nos envergonhar das amantes mesmo se feias ou gordas forem. Mesmo se renegadas ou relegadas.
Abandonar a poesia não quer dizer que eu a tenha esquecido.
Continuei a ler e escrever poesia, praticante de um vício solitário do qual me envergonhava pois ela tomada a poesia (a minha,a dos outros) dessa avalanche de epítetos e adjetivos que a definiam como chata , anacrônica, extemporânea. E até por isso, inclusive por isso, a poesia acabou por ser levada de assalto por uma tsunami de maus poetas, canastrões e falastrões , que dela fizeram uso e turbinaram a sua fama de chata, inatingível , impenetrável.
Não estou dizendo que ao ser tomada de assalto a poesia se aborreceu como um todo ou se apequenou. E nem digo que os chatos são eles e eu um poeta ideal. Apenas muitas vezes me vi diante de minha própria poesia como nada tendo a acrescentar e paradoxalmente com mais “utilidade” que a avalanche de “poetastros” que pululam por aí.Pois aos poucos passei a me importar nada com o fato de minha poesia ser ou não de qualidade, acrescentar ou não o que quer que seja a um ofício em que no nosso idioma já foram grandes e se tornaram imortais craques como Camões, Pessoa, Bandeira, Quintana, Drummond , João Cabral e Jorge de Lima para ficar apenas entre as unanimidades.
Se eu ,durante tantos anos, nunca consegui abandonar o vicio solitário da poesia por que eu deveria deixá-la mesmo que ruim trancada entre meus alfarrábios pessoais numa época em que as pessoas expõem até suas vísceras virtuais ? por que deveria embuti-la, escondê-la como uma criança com anomalia ?
Assim sendo comecei aos poucos, devagarinho, a assumir de novo a companhia dela. Publicando aos poucos e davargazinho algumas delas no blog e agora , digamos, com mais periodicidade. Não são os ecos dos poucos aplausos que me motivam a continuar a publicá-las e sim agora a certeza de que se não são a oitava maravilha do mundo são melhorzinhas que uma safra cheia de aberrações que são festejadas como jóias quando se tratam apenas de quimeras.
A péssima poesia, os poetas burocratas, os de carteirinha, os “poetas profissionais” e os de pedigree, os “coxinhas” obtusos e os que recendem a mofo tomaram de assalto a arte e acabaram fazendo com que sua imagem se tornasse ainda mais embolorada, anacrônica, fora de sintonia. Esses tipos se auto-proclamam porta vozes poéticos de suas respectivas gerações e se levam tão a sério na sua camada espessa de chatice que dão uma preguiça danada no coração da gente.
Por tudo isso , aos poucos, vou mandando os escrúpulos às favas e entrado em anos vou mostrando o que durante anos acumulei. Desde 1982 (quando publiquei “Invenção da Surpresa” pelo Massao Ohno ) não publico nada de poesia seja em revistas, livros ou qualquer instrumento convencional de divulgação dessa arte. Mas quando percebo estupefato que uma única “postada” de poesia em meu blog ou no Facebook pode render mais leitores dos que eu teria publicando um novo livro percebo que para o bem e para o mal a poesia vem ganhando espaços nunca dantes imaginados.Por isso estou timidamante colocando o meu pescoço de fora novamente. Paciência...

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Ricardo Soares

28 de junho de 2010 -13e 50

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