Clichê partido


   Não há nada mais clichê que um beijo partido, um carro que parte com a pessoa amada deixando seu coração dividido. Não há clichê maior que aquele olhar comprido, a sensação de deixar pra trás uma conversa inconclusa, uma lembrança não partilhada, uma dúvida não devidamente esclarecida pois é curta a vida. Não há nada pior do que deixar desabrigado um acolhimento que prospera, interromper uma trajetória de paz e encantamento.
   Se a existência é sim uma sucessão de chegadas e partidas por que há pessoas mais vocacionadas em sempre partir para nunca saber onde chegar ? Ou quando chegam já querem mudar de lugar ? A mobilidade pode significar ausência de rotina, pedra que rola sempre mas também pode ser apenas um pueril sinônimo de indefinição. Temos ou não temos a vida na mão ? Somos ou não senhores dos nossos próprios destinos, desatinos embutidos ao rés do chão ? O clichê do trem que parte na estação lotada deixando desolada a pessoa amada é muito mais que uma mera chaga romântica eternizada em filmes, livros e canções. É a prova viva de que nunca sabemos onde vamos chegar. Nem quando é tempo de continuar ou simplesmente estacionar. Quando afinal é hora de parar de rodar e ficar na manutenção ?
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Ricardo Soares- 14 de junho de 2011

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