OS MUITOS CALORES DO EQUADOR



   Deus, Deus do Deus, Deus dos deuses, deuses do mar ou deuses da escrita. Sinto calor embora faça frio. Há arrepio de sobejo. Enfim eu vejo. A palavra está viva e bem disposta e aqui desse lado do oceano, hemisfério sul, miro a África distante . África que pouco conheço, África que afinal não conhecemos e a qual jamais nos curvamos. Sinto ainda um cheiro acre vindo dos porões negreiros, das queimadas das florestas de Angola, ou das bananas da terra , cozidas ao redor dos carapaus. Vindo do Equador, uma linha tênue entre a luz e o calor vem brisa de São Tomé e Principe e me deleito com a leitura tardia de “Equador”, soberbo romance de Miguel Sousa Tavares.
    Existe no livro aquela solidão mais que latente que explode no peito e nas intempéries , aquela solidão que salta pela boca e nos faz reféns dos desatinos, há aquela estranheza diante da injustiça, do desmando, da impotência com a qual um dândi cosmopolita se defronta contra as barbaridades feudais de capitães do mato e de fazendeiros biltres, tradição histórica portuguesa que deu nas areias da África e nas terras do Brasil.
    Um livro de sensações, calor, mormaço, sol quente, desejo que escorre pelos países baixos do corpo... um livro nada burocrático que me espanta tenha sido saudado com ênfase por tantos burocratas da palavra. Um livro não datado, apesar de situado nos primeiros anos do século 20 com palavras que entusiasmam pois resgatam os bons eflúvios do amor e da História escrita com agá maiúsculo. Um livro tropical na mais pura acepção do clichê que essa palavra encerra pois é uma festa inclusive para o paladar quando desfila diante de nossa fome pratos tão saborosos de culinárias hoje remotas e cenas tórridas condimentadas com explosões solares de desejo. A impressão que o livro dá ao narrar as venturas e desventuras de um jovem governador português nas ilhas de São Tomé e Principe é a de que ficamos frisados em cenas semelhantes as vividas pelo protagonista Luis Bernardo quando ele contempla defronte a varanda de seu casarão colonial (degustando charutos cubanos e conhaques franceses) um imenso mar cheio de enigmas que os portugueses imaginam ser deles. Os enigmas e os mares. Ambição partilhada pelos ingleses. Mas os dois povos perderam a primazia, os mares hoje tem outros donos e não existe mais nem um protagonista como esse nem um romance como Equador solto assim pelo mundo. São exceções. Imperdíveis por sinal.

Comentários

Arilo disse…
Jamais me decepcionei com qualquer indicação de livro deste blog. Por isso, vamos a mais uma descoberta...

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