TESARAC

            O que está por vir não sei. O passado também não importa. Luz atrás da porta. Einstein sorri na capa do caderno , os conselhos para os governantes passam pelas palavras de Maquiavel, Erasmo de Roterdã, Cervantes, Marquês de Pombal e assim por diante. Mas ninguém os ouve e se os ouve são ouvidos moucos. Faz um calor lascado em minha vida e vejo adiante, no fim da curva da Dutra, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Basílica reluzente. Pedaço do presente.
     Quem está posto, aposta. Conduzo o jipe até o posto, peço desconto no diesel, assopro contra o vento. O mundo em movimento. Na borracharia anexa duas mulheres discutem as agruras do dia. Uma está descalça, pés imundos e a outra, barriguda, come uma marmita fria. Seus dentes cariados reluzem enquanto um cão passa entre elas buscando migalhas da conversa ou qualquer manifestação de afeto. Uma goiabeira ao fundo se orgulha dos seus frutos bichados. Há poesia até no bicho da goiaba. Na infância eu e os amigos as comíamos assim mesmo. Bichadas. Como a vida.
     Borbulho por dentro. Tomo o café ralo e doce que me oferecem de brinde. Sei que adiante haverá uma seta que indica a cidade de Cunha onde entre desfiladeiros e cachoeiras perdi meus pensamentos. No vale do Monjolo ouvi meu próprio coração que se abria por dentro e ali conversei com meu pai morto enquanto cavalos vivos passavam indiferentes à paisagem.
    Sou como uma nação em movimento. Não me aguento. Não sei o que fiz diante de mim para me perfilar diante das novas linguagens. Não me encaixo no que está por vir e o que já fiz não serve pra nada. Telefone de disco, fita cassete, ficha telefônica. Sou um mix de inutilidades a tentar enxergar um futuro nublado. Um fog de boteco sórdido, uma luz fodida de lupanar antigo. Vermelha, azul, verde. No meio dela dança uma mulher peituda e triste, de anacrônico biquini de miçangas. Eu e minhas tangas. Como fui Leila Diniz por vezes me dou à pobreza de Madre Tereza. O mundo é uma embriguez. Beleza ?

Comentários

Cléo disse…
O que já fez esteja certo serve sim para alguma coisa pelo menos para mim. Guardo na lembrança, escreveu há 15 anos mais ou menos, um texto sobre seu pai morto recente a época, um dos textos que até hoje só de lembrar ainda me emociona. Gostaria de saber Ricardo, se ainda tem este texto, e se poderia me mandar ou quem sabe editar pelo blog. Lembro que você publicou esta crônica no Estadão. Acessei seu blog recentemente e confesso fiquei com saudades de mim mesma, de quem eu era. Ando meio assim assim .. emotiva .. saudosista .. saudades do que não fui. Antes poética.. hoje só o pó...
Obrigada ..beijos Cléo (E.T.: O que está por vir...adoro o estilo destes seus textos especificamente).
Cléo disse…
O que já fez esteja certo serve sim para alguma coisa pelo menos para mim. Guardo na lembrança, escreveu há 15 anos mais ou menos, um texto sobre seu pai morto recente a época, um dos textos que até hoje só de lembrar ainda me emociona. Gostaria de saber Ricardo, se ainda tem este texto, e se poderia me mandar ou quem sabe editar pelo blog. Lembro que você publicou esta crônica no Estadão. Acessei seu blog recentemente e confesso fiquei com saudades de mim mesma, de quem eu era. Ando meio assim assim .. emotiva .. saudosista .. saudades do que não fui. Antes poética.. hoje só o pó...
Obrigada ..beijos Cléo (E.T.: O que está por vir...adoro o estilo destes seus textos especificamente).
Ricardo Soares disse…
Cléo...obrigado por essas palavras...tb ando com saudades de mim mesmo,talvez de quem eu era pois já não sei pra onde vou... ainda tenho o texto sobre meu pai que foi uma crônica publicada no Estadão em 96 quando eu era cronista do jornal e meu pai faleceu...nunca a publiquei em lugar algum fora aquele dia...e fico feliz que vc tenha uma boa lembrança dela...vou procurar e te envio se quiser mandar seu e-mail já que seu nome em hiperlink aqui não conduz a nenhum lugar...obrigado pela força
Cléo disse…
Oi Ricardo, quanta gentileza a sua, adoraria que me mandasse. Sou um tanto ignorante aqui pela rede ... e acabo me escondendo num anonimato confortável. Meu email cleo.mestre@gmail.com
Cléo disse…
Oi Ricardo, quanta gentileza, agradeço imensamente se puder me enviar, meu email:cleo.mestre@gmail.com , sou um tanto ignorante na rede... e acabo num anonimato confortável... mas um tanto obscuro. bjs Cléo
Suelem disse…
Olá Ri, amei o texto, perfeito...não me lembro dessa crônica sofre o Vô Juvenal, se puder também me mande por favor...Saudades da alegria dele nas festinhas da Manu, anunciando as cantoras no Meu Gradiente aquele gravador que gravou muitas brincadeiras e risadas dele...o tempo passa e hoje as crianças não possuem essa infância de brincadeiras criadas naquele momento e sim curtem se comunicarem com uma tela de LCD ou LED..infelizes...Bjo Gande!!

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