reflexões sobre ciclismo, jornalismo e coleguismo

tá lá o corpo estendido no chão! e o que fazem as autoridades  pelos ciclistas ?
No caso da estúpida morte da ciclista na avenida Paulista eu poderia dizer simplesmente que faço minhas as palavras do jornalista, repórter e apresentador Aldo Quiroga no Facebook . Mas quero ir além. Quero ir além porque como já escrevi a ele no "Face" o que mais comove em seu texto de testemunha ocular daquela história foi seu depoimento sincero, sentido e envolvido num momento do jornalismo onde parecem ainda dar guarida à falácia absurda da “imparcialidade”.
Aldo desceu do pseudo-pedestal em que muitos jornalistas se colocam (aliás ele nunca subiu em nenhum) e se colocou como ciclista, pai de família e cidadão diante da estupidez e da insanidade que grassam na cidade de São Paulo diante daqueles que como Juliana tentam outras vias de mobilidade. É como se a cidade nos dissesse : "caiam fora intrusos! continuemos na nossa sanha boçal de imobiliarismo, carros, shoppings e ausência de verde. Continuemos a passar sobre as bicicletas e sobre as consciências porque nossa voz é muito mais a de uma Monica Waldvogel (que bradou que bicicleta não é meio de transporte) do que a do Aldo Quiroga." Mas calma lá! não é a cidade que nos diz isso. É o que fizeram dela. Acaba por ser a voz de quem nos desgoverna sem políticas públicas que privilegiem o cidadão, o pedestre. Aqui é o deus -máquina a ode ao progresso numa visão retrógrada e desenvolvimentista que nem o finado Juscelino Kubitscheck ( que enxergava adiante) seria capaz de abraçar . Ele já teria se adequado aos novos tempos enquanto nossos governantes comemoram o recorde da venda de carros, o petróleo do pré-sal e o asfalto em cima das ferrovias. Estamos na mão de tecnocratas anacrônicos de bestas-feras, soldados da predação ambiental.Por sorte o jornalismo ainda tem Aldos Quirogas mesmo que em menor quantidade que as Waldvogels sem consequência na opinião.Esse assunto nem vale a pena ser tratado visto que a resposta que ela merecia já foi magistralmente dada pelo ciclista e pai de família em comovente carta que vocês podem ler aqui. Clique.
ciclista Max,autor de magistral resposta à insensibilidade da jornalista Waldvogel 
   Não se consegue mudar todo um conceito de transporte e mobilidade com consciências armadas ou cheias de preconceitos. Mas está mais claro agora quem está a favor da paz. Espera-se que a morte da Juliana seja ao menos útil ( há morte útil meu Deus ??) para que paremos um pouco pra pensar. Afinal não é uma aberração ficarmos horas presos em congestionamentos ? afinal não nos é roubada saúde e vida em meio a tanto stress ? afinal não devemos cobrar dos burocratas como Serra, ALCKMIN, Kassab e outras nulidades uma visão mais moderna , mais alinhada com países civilizados que já olham de viés para o deus automóvel ? Não está mais do que na hora do governo federal pensar em políticas públicas que incentivem os ciclistas e aumentem as ciclovias ?
 São Paulo tem risíveis  50 kms de ciclovias que nem funcionam todos os dias. Kassab e sua malta enxergam bicicleta como lazer e como disse muito bem James Scavone  "a bicicleta é silenciosa (...)discreta. Parece que São Paulo não admite essa afronta .Nesta cidade,só os barulhentos são ouvidos." 
   Por fim quero dizer que esse escrito também é uma maneira pública de além de falar do tema  ciclismo e cidadania prestar homenagem através da figura do Aldo Quiroga que mantém acesa a chama da indignação (perdoem a frase chavão) diante de tanto absurdo e diante das novas normas das redações que não permitem aos jornalistas se manifestarem como cidadãos seja virtualmente seja pessoalmente. Estão transformando à força toda uma jovem geração em pequenos parasitas anódinos e corporativos que redigem releases inócuos pressionados por tempos, resultados, termozinhos do mundo corporativo e assim por diante. Viva a identidade do profissional de imprensa Aldo Quiroga ! viva a santa indignação! 
      Deixo abaixo o belo texto do Aldo escrito no Facebook encimado por uma foto onde aparecemos juntos num bar de Bogotá por ocasião da realização do documentário "Colombianos" da Tv Cultura um belo projeto que tive Aldo como cúmplice nos idos de 2001 a 2007.
Aldo Quiroga(primeiro a direita) eu e toda a trupe do documentário "Colombianos"num bar de Bogotá em 2006. Aldo acabara de saber que seria pai pela primeira vez
texto do Aldo Quiroga

Não, eu não conheci Juliana Dias. Mas conheci hoje uma parte de seus amigos. Fomos lavados pela mesma chuva. Fomos levados pela mesma causa.
A Paulista parou.
Motoristas xingaram, buzinaram. Mas o silêncio foi mais forte. Deitados no chão encharcado, com a chuva torrencial sobre roupas, rostos e capacetes, assumimos a última posição de um ciclista tombado pela estupidez.
Não, não importam as causas. O motivo é um só e #nãofoiacidente! A cidade para pessoas precisa parar seus motores.

Vi curiosos, pedestres escondidos da chuva, admirando bicicletas empurradas onde haveria carros. Vi coleguinhas à espera de uma lágrima, em busca de uma imagem, de uma frase. Vi gente chorando, vi gente gritando (MAIS AMOR, MENOS MOTOR). Vi gente em silêncio. O grito contido durante todo o dia explodiu na garganta diante de um motorista que desceu do carro para gritar que a turba deveria parar de atrapalhar e ir ver o Kassab. "ANIMAL!" gritei repetidas vezes com a Bel -- a minha esBELta magrela -- sobre minha cabeça. Toda a estupidez de uma cidade desumanizada personificou-se naquele pobre ser humano. E a resposta veio abrupta arrebentando as cordas vocais. Eu e outros revoltados fomos contidos pelo sempre sereno Thiago Benicchio: não estávamos ajudando. Dei-lhe razão num aperto de mão e ele certamente surpreendeu-se ao me reconhecer debaixo da água, da fúria e do capacete.

Não, não estávamos ajudando. Estávamos desabafando contra a estupidez, a omissão, a indiferença e a impunidade. Estupidez de quem acha que o carro é o modal mais importante. Estupidez também de quem sobrepõe migalhas à vida humana. Omissão de quem deveria cuidar da segurança de todos no trânsito, mas só pensa na fluidez. Indiferença de quem vê, de braços cruzados "o grande monstro a se criar". Impunidade de assassinos que operam armas em potencial e saem da prisão após pagar fiança de mil e quinhentas merrécas. Essas quatro juntas serão, de novo, e de novo, responsáveis pelas próximas ghostbikes espalhadas por ai.

A chuva parou. Fiquei quase meia hora em frente às flores e velas, em silêncio. Quando percebi que não pensava mais naquela bióloga que pedalava e plantava árvores por um mundo melhor. Não pensava nem na ciclista, nem na cidade, nem na estupidez. Pensava em minha mulher e meus filhos.

   Lembrei de voltar pra casa, mas os pés não obedeceram. Custou notar que era o medo que os cravava no asfalto úmido. Sim, medo de enfrentar aquela mesma avenida sozinho no pedal de volta. Um respirar fundo fez leves os pés e deixei a segurança pra trás. No caminho, outro ciclista se aproximou e fizemos frente ao tráfego. Juntos lamentamos a merda de dia e a merda de cidade na qual São Paulo foi se transformando. Ele seguiu em frente, como todo dia, rumo à Saúde. Eu fiquei no Paraíso. Palavras incompatíveis com o resto da história.

Comentários

Rubens Chaves disse…
Muito bom o texto e desabafo do Aldo.

Só posso dizer: Sinto muito!

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