Entre Cameron e Fellini


     Eu não gosto de James Cameron. Eu gosto de Fellini. E daí ?podem perguntar os impacientes .Daí que isso nada muda em nada a não ser o fato de que cinema hoje , em escala mundial , é James Cameron e não Fellini e nem me venham com o surrado argumento de que há espaço para todos porque quando a estética vigente é a “supremacia Bourne” de um tipo como Cameron para mim as coisas vão muito mal.
   O fato de Cameron ser arrogante e antipático é o de menos. O que incomoda é o fato de Cameron dar mais a impressão de ser um investidor de Wall Street em busca de resultados do que um cineasta , do que , enfim , vá lá, um artista. O diretor de “Titanic” parece estar sempre em busca de querer romper algum parâmetro, ultrapassar marcas, marcar recordes, provar que é o mais impetuoso, pioneiro ou corajoso dos realizadores. Cameron é matemática de resultados. Fellini é história e poesia.
    Um dos últimos feitos proclamados de Cameron é ter atingido a profundidade marinha recorde ao mergulhar 11 quilometros abaixo nas Fossas Marianas no Pacífico. Sozinho, intrépido e confiante .Tenho total desconfiança em relação ao feito por inúmeros motivos sendo que os principais são : por que confiariam missão tão impressionante e específica a um cineasta blockbuster e não a um cientista ?por que além da indústria que cerca o próprio Cameron ninguém mais fez alarde sobre assunto tão importante ? Como um sujeito mergulha 11 kms oceano abaixo e simplesmente abre a porta de um mini- submarino , pilotado como um video-game , e não sofre os efeitos da descompressão ? Como não mostra nenhuma imagem do que viu lá embaixo além de sua própria face diante dos equipamentos do mini-submarino ? Ao menos o episódio mostrado na Nat Geo foi entediante e pouco revelador das profundezas.
     Cameron quer parecer um aventureiro mas nos passa a impressão apenas de ser o CEO de uma grande empresa em momentos de lazer. Daqueles tipos que fazem safári nas savanas africanas ladeado por seguranças armados e mordomos uniformizados que servem refrescos e acepipes. É o Marco Polo de boutique sempre pronto a vender suas “aventuras” a patrocinadores vultosos como no caso da Rolex com as Fossas Marianas. Nada contra pois a aventura é cara. Mas me recuso a ver o que Cameron faz como arte. Cameron é negócio.
    Evidente que Fellini está muito mais para poesia, história e literatura na mesma medida em que Cameron está para ciências exatas. Essa é a equação do mercado. O que se tem a lamentar é que milhões de pessoas mundo afora consumam como fast food essa ganância de prazos e metas de Cameron enquanto Fellini fica, digamos, para os espíritos mais sensíveis. A longo prazo sei que isso pouco importa. Cameron é um hamburguer, Fellini um risoto com receita de nonna italiana. A se lamentar é que num mundo de urgências o que importa um longo prazo ? Como diz o dito, no longo prazo estaremos todos mortos. Tanto o imediatismo de Cameron quanto a arte de Fellini pois a esta altura temo que nada seja imortal.

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