um mergulho a esmo no fundo do Amapá


    (...)Depois da epopéia desisti de minha vida de bandido e fui cuidar da garganta ferida. Ungüentos com gengibre, mel , sassafrás, beberagens com copaíba , tudo me deram pra melhorar meu corte na garganta. Pois até eu me curar foi longo tempo e só teve um lado bom porque não pude falar e quem fala pouco se poupa de pronunciar asneira. 
  Chove há muitos dias e há perigo de deslizamentos por todos os cantos do bairro . Móveis , televisões, mantimentos, cães e crianças já foram levadas pelas águas. O velho índio deitado no velho sofá imundo no centro do terreno plano olha a desolação à sua volta. Ele parece ser o ponto mais alto ao redor do caos. Coça os olhos , invoca espíritos remotos e torce para que Tupã não esteja surdo.Chove e eu vejo todo esse aguaceiro com as minhas meias úmidas preocupado porque até estiar leva um tempo longo e minhas juntas endurecem As palmeiras de açaí vergam com o peso dos frutos e a ventania espirra água para todos os lados. De longe avisto as palafitas repletas de musgo e mesmo com a chuvarada os pescadores continuam chegando com suas canoas repletas de tucunarés, filhotes e até tambaquis . Sei que hoje vai ter mujica de caranguejo com farinha d’ água e me reconforto ao saber disso. Toda convalescença faz a gente revisar uns pedaços da vida. Se não foi por bem que seja pelo mal de uma chaga ou uma doença.

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