A POESIA PERFUMA ALGUMAS CONVERSAS





in memorian do meu amigo poeta Julio Saraiva

De nada adianta a poesia. Sequer anestesia aflições. Sequer oferece respostas. Sequer honra as apostas daqueles que nela apostaram. A poesia, prática extemporânea, luz de lampião a gás, máquina de telex, ficha de telefone, é uma alma antiga que vaga aflita , perdida entre as modernidades. 
  Nessa bacia das almas das artes ninguém dá um dólar furado por ela muito embora pegue bem citar alguns poetas. A poesia perfuma algumas conversas . Dá a elas a vaga sensação de erudição, de desprendimento, de uma cultura secular que ninguém mais tem. Mas de nada adianta a poesia na avalanche de adjetivações, nas enxurradas de verão onde as crianças morrem dormindo ou mesmo entre as balas perdidas dos assaltos citadinos. 
A poesia virou artigo em desuso, unguento difuso que não mais aplaca males  do espírito. Não sou um descrente da poesia mas me interrogo repetidamente sobre o seu uso hoje em dia  quando qualquer impressão sensorial de celebridade ou qualquer espasmo de discurso amoroso vira poesia.  "Se a poesia não auxilia há a enxada", escrevi eu mesmo uma vez tentando  desqualificar a necessidade dos versos. Continuo achando que muitos deles são belos, mas a arte de versejar já não tem o menor valor assim como pouco valor os verdadeiros poetas.
Domingo último ajudei a sepultar um amigo poeta. Um ser que viveu derramado, afogado nas suas próprias contradições que eram, obviamente, poéticas. Viveu poeticamente ao pé da letra. Inclusive decorando letras de sambas lindos. Próximo do erudito com sua alma popular. Mas não ficou nada popular. Um grande poeta que morreu desconhecido para azar daqueles que não conheceram seus belos versos . Era um tipo que não cabia nesse tempo, nesse espaço, nesse lugar nosso espremido entre shoppings e interações só de ordem virtual. Foi-se o poeta que não saia nos suplementos literários, nem era convidado aos talk-shows e Flips da vida. Sua morte é a própria constatação de que a poesia nada adianta. Se tivesse feito anúncios para vender margarina  e ganho uns leões em Cannes seria muito mais lembrado. Mas era apenas um poeta que bebia e que fumava e que foi sepultado sob a terra roxa do cemitério da Vila Formosa, zona leste de São Paulo.
    Sobre seu túmulo um vaso de margaridas, lemnbrança de uma amiza zelosa. Eu prezo a poesia dele de tal forma que se for para ele ser desconsiderada acho melhor que permaneça desconhecida.  
    

Comentários

Altavolt disse…
Muito comovente a homenagem que você presta ao seu amigo poeta. Na verdade, só o fato dele ter recebido postumamente essas palavras tão respeitosas e carinhosas, de um grande amigo em vida, talvez já seja motivo suficiente para ele ter vivido à sua maneira. Quantos vivem uma vida toda rodeados apenas de falsidades e interesses, sem que se deem conta disso?
Seu amigo Julio Saraiva, com toda a sua verdade e simplicidade, tem a honra de ter deixado ao menos um grande e sincero admirador. E isso realmente não é pouco nesse mundo apressado e egoísta em que estamos vivendo hoje em dia. Parabéns aos dois por uma amizade tão bonita e simples quanto essa.

Grande abraço!
Ricardo Soares disse…
Por suas belas palavras muito obrigado Altavolt!!! grande abraço
cristinasiqueira disse…
Oi Ricardo,

Fui lendo,lendo e parei aqui,,,em pausa ,pelo amigo poeta ido ...por você !
A poesia por aqui tá vivinha da Silva em uma saraivada de amor.E o que percebo é que existe urgência de poesias e poetas mais perto da gente.Porque poesia é coisa de gente,e gente com sangue de verdade,cheiro,dor ,lágrimas,vergonha,pudor ,amor,temperamento.esquecido sentimento...perfume !...conversa com rima,com remo de navegar,juntos...

Beijos

Cris

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