AMIGOS À DERIVA


           Há amigos que estão à deriva e o que posso lhes dizer além de "resistam ?". Resistam pois o mundo é osso e não cabe mais entre nós sequer o lirismo comedido. Não, não acusem tristeza pois ela será vista como sinal de fraqueza, até torpeza. Não,não rimem em prosa pois senão vem glosa. Os almofadinhas da gramática adoram aplicar regras engessadas e redigir manuais de redação. Justo na época em que mais se escreve mal.
   Há amigos que estão à deriva fumando muito,bebendo demais,ouvindo vozes que dão péssimos conselhos.Alguns sabem que estão morrendo aos poucos mas poucos se importam.Afinal estão à deriva. O problema  é que não há boias lançadas ao oceano e as metáforas todas gangrenaram expostas a todas as hemorragias do bom gosto. O mau gosto triunfa. No rádio,no cinema nacional,na tv. Desista da arte pela arte pois o mercado quer sua parte. E ela não é pequena.Pouco vale a pena. E não há como se segurar num cinturão de asteroides porque estão loteando até o espaço.
     Há amigos que estão à deriva não porque não tenham concretizado seus sonhos mas porque não há mais sonhos para sonhar. A uma certa altura reinventar o lúdico é uma missão difícil. E há amigos que desistem fácil. Há amigos que estão à deriva porque tiveram que mascar suas próprias convicções e morderam as línguas e deixaram a alegria  sem lugar nas poltronas  de suas salas. Esses amigos não querem mais escalda-pés ou massagens relaxantes. Querem pelo menos uma única noite  de sono bem dormido, sem sobressalto, sem vigílias apavorantes, sem fantasmas do passado.
     Há amigos que estão à deriva porque não se perdoam e nem sabem perdoar. Entram em qualquer trem para qualquer lugar  e tanto faz se estão no corredor ou na janelinha. Só querem é abrir passagem para dentro de si mesmos. Eles tem olheiras, tem grandes bolsas sob os olhos. As casas em que moram estão em completo desleixo, precisam de uma mão de tinta. Esses amigos precisam de várias mãos. Mas mesmo que eu ou outros as estendam eles não querem segurar. Preferem lentamente deslisar para o abismo perdendo inclusive o gosto e o prazer de contemplar a derradeira paisagem enquanto caem.
   Os meus amigos que estão à deriva certas noites sentem medo e sentem frio. Calafrios. Em outras noites esquentam. São mormacentas tormentas. Eles não tem temperatura média e não conseguimos tomar de verdade as suas pulsações. À deriva como pedaços de papel em um lago escuro. Sequer borbulham. Isso posto em que aposto leitores ? nos credores do alheio? nas bolas que jamais voltaram do escanteio ? Não sei mesmo. Só sei que é muito triste estar a esmo.

Comentários

BomBom disse…
E há amigos que, mesmo à deriva, ainda encontram no coração um momento de emoção genuína, quando ao ler um texto, pensam em tantos outros amigos... queridos como você
Ricardo Soares disse…
e receber um comentário terno como esse seu prezada BomBom é um alento...bj

Postagens mais visitadas