PEDRO PÁRAMO E A QUARTA DE CINZAS

Pedro Páramo, edição de 1986 da Paz e Terra. Tradução Eliane Zagury
     Mote dos mais recorrentes é associar a quarta de cinzas com renascimento, recomeço, ressaca moral,início de um novo ciclo e demais derivações sobre o mesmo tema. Ressurreição é outro mote. Daí,pouco original que sou, ligo essa quarta com o livro que terminei de ler agora e acho que eles combinam.
   Estou falando do ultra-festejado, aclamado, paparicado e valorizado Pedro Páramo do falecido escritor mexicano Juan Rulfo uma pepita literária escrita há 60 anos que veio a público em 1955 e arrebatou leitores e mentes mundo afora mesmo que hoje Rulfo seja pouco lembrado (morreu em 1986) e seja muito chic citar o autor em tediosas rodinhas literárias. Ele é um dos muitos que é muito citado e pouco lido.
    Comprei o livro em 15 de março de 1986 nessa edição aí acima da Paz e Terra com tradução de Eliane Zagury. Muitas vezes iniciei a leitura dele e muitas vezes parei por motivos que sinceramente não sei explicar. É um daqueles clássicos fundamentais que a gente acaba adiando e assim passam os anos. Fui até a metade do pequeno romance (ou novela se vocês preferirem) várias vezes e já tinha até familiaridade com o tal Pedro Páramo (um pai de todos num México desértico, infértil e onde a morte a vida se mesclam) e com seu filho Juan Preciado além da mítica cidade de Comala. Mas nunca soube onde a história ia dar. E nem quis saber para não prejudicar minha intenção de um dia concluir a leitura. 
    Pois eis que revolvendo volumes na sempre ingrata missão de organizar minha caótica biblioteca esbarro de novo em Pedro Páramo e dou por acabada a missão nessa quarta-feira de cinzas de 2013. A missão da leitura acabou mas a impressão que fica é que de fato Pedro Páramo é uma obra inacabada e merece cada centímetro da enorme fama que tem. Principalmente se formos levar em conta que veio à luz há quase 60 anos quando pouco se falava em literatura fantástica. É um livro que encantou e influenciou Garcia Márquez, deslumbrou o mui exigente Borges que dele disse : " Desde o momento em que o narrador ,que procura por Pedro Páramo, seu pai,cruza com um desconhecido que declara serem eles irmãos e que todos no povoado se chamam Páramo, o leitor sabe que entrou em um texto fantástico, cujas indefinidas ramificações  não lhe é dado prever,mas cuja gravitação já o captura(...) Pedro Páramo é um dos melhores romances das literaturas de língua hispânica , e mesmo da literatura".
    A obra é inacabada porque deixa tantas rotas de fuga para o leitor que o quebra-cabeças que propõe no próprio enredo permanece ao seu final. E combina com a quarta - feira de cinzas. Pois assim como a ressaca dessa festa de carnaval onde muitas vezes as pessoas repetem procedimentos que remontam às suas infâncias e adolescências, o enredo de Pedro Páramo parece nos lembrar um bom , velho e esquecido cão que sempre volta para morder o próprio rabo. Ou seja quarta - feira de cinzas e a cidade imaginária de Comala pertencem ao território do real ou do imaginário ? da vida que está se vivendo, está por se viver ou já foi vivida ? Somos pó ou viraremos pó ? somos o bagaço, nosso sumo ou apenas ossos que pulam ? A leitura de Pedro Páramo requer atenção e pouca dispersão. Pode parecer difícil mas não é . E lhes garanto que ao final vocês sentirão a sensação de uma quarta- feira de cinzas. Pra mim foi feliz coincidência ter acabado a leitura desse livro justo nessa data.
Juan Rulfo (1917-1986)
ps.Já entro naquela fase da vida onde os acontecimentos precisos  se misturam aos imprecisos. Mas me lembro "imperfeitamente" que no ano de 1982 (??? uma dúvida é se foi 1982 mesmo) me encontrei com um triste, sisudo , pouco simpático e circunspecto Juan Rulfo ao final de uma palestra no recém-inaugurado Centro Cultural São Paulo. Fiz uma pequena entrevista com ele , não me lembro de publicada pela revista Manchete. Só sei que lembro , agora perfeitamente, da estampa sisuda daquele homem paciencioso em atender um jovem repórter quase ignorante  sobre a sua obra . Um então jovem repórter que agora velho repórter acha normal aquele cavalheiro de triste figura ter concebido um universo tão rico e empoeirado como existe em Pedro Páramo. Como é bom viver para contar.

Comentários

Jaime Guimarães disse…
Recentemente comprei a edição da "Best Bolso" - bem baratinho, R$ 12,90, com tradução e prefácio de Eric Nepomuceno. E está lá na capa: "A leitura profunda da obra de Juan Rulfo me deu, enfim, o caminho que buscava para continuar meus livros" - Gabriel Garcia Márquez.

Iniciei a leitura de Pedro Páramo mas parei no começo justamente por requerer toda a atenção e por estar na fase na dispersão rs Mas já está aqui na fila de leitura para outro momento.
Ricardo Soares disse…
Jaime, o livro com sua sobreposição de tempos e de percepções ( quem são os vivos, quem são os mortos) e suas muitas quebradas narrativas requer disponibilidade e concentração...mas é recompensa pura quando a gente se atreve a conclui-lo... não a toa influenciou tanta gente importante...é um livro capital como diriam alguns pedantes...abss
Ana disse…
Adorei o "livro capital". Agora falando sério, seu texto me deu vontade de reler Pedro Páramo. Ao contrário de você, li o livro ainda na década de 1980 e há pouco comprei essa nova edição sobre a qual o Jaime fala. Comecei e parei. A causa, sei lá. Dispersão? ansiedade? sinal dos tempos? cabelos brancos? seja como for, faço nova tentativa logo, logo. Obrigada pelo incentivo, como diriam alguns.
Ricardo Soares disse…
Ana, que bom que meu texto estimulou vc a ler de novo Pedro Páramo...é um livro e tanto... um alento numa época de tanto livro valorizado de maneira indevida...boa releitura

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