Quarup. Muito atual...

       

     Quarenta e oito anos depois de ter sido iniciado pelas mãos hábeis do escritor Antonio Callado leio finalmente até o fim o romance Quarup, uma beleza que continua atual apesar de algumas farras narradas no livro serem regadas ao hoje inocente e anacrônico lança-perfumes, na época transgressivo ingrediente das festinhas de embalo.
     A ação de Quarup se passa no período que vai do suicídio de Getúlio Vargas (1954) ao golpe militar de 1964 e seus inevitáveis arbítrios que terminaram com os sindicatos,organizações populares e iniciaram a fase de intolerância e pancadaria que viria a desembocar no famigerado AI-5. Toda essa ação é testemunhada e narrada pela ótica do jovem padre Nando, de família pernambucana,ingênuo e idealista e que tem o sonho de reconstituir no Xingu uma civilização semelhante a que existiu nas Missões jesuíticas do sul do Brasil na época colonial. Na sua saga esbarra com a desorganização do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão que deu origem à atual e conturbada FUNAI.
   Tudo isso é muito pouco à guisa de resenha na medida em que Quarup se debate com crises de consciência e de fé não apenas do jovem padre Nando que vive a questionar tanto os dogmas da fé que acaba por abandonar. Aliás não a fé, mas a igreja. Muito interessante ler isso hoje na época em que a eleição de um novo Papa coloca de novo no altar de nossas discussões as boas e velhas indagações sobre esses dogmas , inclusive a castidade que tanto atormentava o padre Nando.
   No decorrer de minha leitura tive a forte impressão de que o livro daria um grande filme . E aí, vagamente, lembrei que o livro já fora filmado mas não fui atrás da informação. Que sorte. Agora ao buscar dados a respeito vi sim que o livro virou filme pelas mãos do diretor Ruy Guerra em 1988 e foi lançado em 1989. É uma produção inqualificavelmente ruim que não chega nem perto da excelência do livro. Caiu merecidamente no esquecimento e Quarup daria ainda uma bela releitura quando sabemos que a vida dos índios continua bem pior do que a retratada no romance. Não vou me ater mais ao filme mas não resisto a deixar um trecho de Youtube pra vocês onde a hedionda interpretação de Taumaturgo Ferreira ( fazendo o padre Nando com um horrendo e forçado sotaque de Pernambuco) só não é pior que a interpretação caricata de Maitê Proença ao fazer uma professora inglesa ( olha o sotaque!) que seduz o padre. É um duelo de titãs da ruindade. Fique com o livro original e imagine sua história na tela. Você certamente fará melhor.





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