Fica na Lapa carioca a minha praia da Normandia

    Se soubesse que um dia não seria necessário o diploma para exercer o jornalismo teria feito mesmo História , com agá maiúsculo, pois cada vez mais me convenço que é conhecendo direito o passado que não repetimos erros no presente segundo determina a velha máxima por vezes lembrada.
   A História brasileira nos atropelou no presente com a overdose (necessária) de informação acerca do nefasto golpe de 1964 que nos levou a anos e anos de atraso e trevas . Não sucumbimos e estamos todos de pé como nação apesar dos percalços impostos pelas múltiplas súcias de corruptos de todos os matizes e partidos que nos flagelam todos os dias.
  Mas não estou aqui para lhes dizer de minhas inúteis reflexões políticas mas para lhes contar como me senti outro dia exatamente como aqueles personagens de uma série de comerciais do History Channel que andam por lugares que nem imaginam terem sido cenários de acontecimentos capitais na linha nem sempre reta da humanidade. Algo exatamente como a jovem mãe que caminha com seu pimpolho numa praia da Normandia sem saber que ali se deu parte da sanguinária batalha do dia D em 6 de junho de 1944.
   Pois sim, minha modesta praia da Normandia é um prédio perdido no tempo que fica ali nas esquinas da rua da Relação com Gomes Freire na Lapa carioca. Atemporal, quase pedindo licença por ainda estar de pé e em boa forma , abriga o Hotel Carioca onde me hospedo bastante quando estou no Rio já que fica quase defronte à televisão onde trabalho. 
  Um dia o Hotel Carioca foi o Hotel Marialva de onde nas sacadas dos quartos dos andares mais altos pode se ver , ainda hoje, a entrada do antigo prédio do “Correio da Manhã” e a entrada do antigo e belo ( porém sinistro) prédio do Dops que está sendo reformado e onde tanta gente boa apanhou feio em passado recente. 
    O passado recente me atropelou em noite de 2009 quando por acaso numa noite insone eu me debrucei num desses terraços e olhando para baixo vi inscrito em mármore eterno no alto do prédio o nome do “Correio da Manhã” jornal histórico há muito extinto que teve papel fundamental no golpe de 64. Primeiro apoiando depois condenando até ser fechado. Ver que a História estava bem ali diante dos meus olhos me fez imaginar quantas tramas e sexos furtivos teriam se desenrolado nos quartos do antigo Marialva, hoje o Carioca. Fiquei imaginando se em noites silenciosas nos anos de chumbo seria possível ouvir o grito dos torturados no prédio da polícia na rua da Relação. 
  Fantasias históricas a parte tudo isso eu apenas intuía quando li dia desses, com 10 anos de atraso, o belíssimo relato de Carlos Heitor Cony intitulado “ A Revolução dos Caranguejos” publicado originalmente em 2004 na coleção “Vozes do Golpe” da Companhia das Letras. No texto Cony relata seus atribulados dias logo após o golpe quando ( ele apoiou a queda de Jango) começou a perceber que tínhamos caímos numa esparrela ditatorial da qual só saímos em 1985. E onde se refugiou Cony por aqueles tempos protegido desde a portaria por amigos que se revezavam para que ele não fosse preso ? No Hotel Marialva, hoje esperto e ereto Hotel Carioca que preserva em salas ao lado de onde se serve o café da manhã , no primeiro andar, toda a memória de tempos idos e vividos. A História com agá maiúsculo nos atropela sim todos os dias sem que percebamos. É uma revolução dos caranguejos como no título do Cony. Mas que esse andar para trás não nos leve nunca ao retrocesso. Assim espero.





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