PERDER UM AMIGO É UM CORTE NO UMBIGO

     

  Talvez eu não tenha muito a acrescentar ao texto abaixo publicado semana passada no DOM TOTAL.(LEIA AQUI). Por outro lado creio nunca ser redundante escrever e reescrever sobre amigos queridos. Sobretudo sobre aqueles que partem cedo como foi o caso do Tadeu. Poderia eu escrever outra crônica sobre como foi a cerimônia de despedida dele ao som de Pink Floyd e Cesária Évora lá no Crematório da Vila Alpina, São Paulo. Poderia eu ficar aqui tangendo outras tantas lindas lembranças que tínhamos dele, todas trazidas à tona nas conversas ao redor de nossas tristezas. Mas não vou fazer isso. Tadeu não era cara que gostava de choro e de vela. Vela não teve . Mas choro teve muito. Era inevitável diante da perda de um sujeito cuja ausência ( perdoem o lugar comum) deixa o mundo mais pobre. Escrevo esse adendo ao texto do DOM TOTAL porque estou acometido da síndrome da ausência do amigo querido. Reitero minha solidariedade à minha amiga Dinah Sales, companheira do Tadeu, e ao Rafael , filho deles. Deixo o texto com a foto que a Dinah diz ser a mais completa tradução do Tadeu. Quem sou eu para discordar ? E logo abaixo deixo outra foto dele mais novo, do jeito que bem lembro , quando , juntos , ríamos das porcarias da vida...


PERDER UM AMIGO É UM CORTE NO UMBIGO


        Sentado diante do computador, estava a postos para escrever minha crônica desta quinta-feira quando soube da morte de um amigo querido e todo e qualquer tema se esvaiu. Pareceu pequeno ou irrelevante, já que amigos perdidos são como pedaços da gente que se vão aos poucos. Cortes umbilicais com nosso passado. Irrecuperáveis, insubstituíveis. Ainda mais quando fazem parte das nossas lembranças de juventude, estão emaranhadas a elas.
Um amigo perdido faz com que a gente faça as contas e ligue os pontos dos caminhos que percorremos. Junto e longe deles. Fazemos inventários das palavras que deveriam ser ditas e não foram. Nos punimos pelos momentos onde devíamos estar mais próximos mas não estávamos. Ao mesmo tempo amigo que é amigo não se ressente com nossas ausências. E esse era o caso desse meu amigo perdido.
       Uma grande fogueira numa noite fria. Em cada lado dela um grupo com instrumentos (principalmente percussão) servindo de suporte para os improvisos dele e os meus em cima de temas banais, chistes, coisas para dar risada. Um duelo musical de estultices. Foi num sítio na então campestre Embu das Artes, na noite em que perdi pra sempre meu tímpano direito com um rojão que estourou do lado direito da minha cara no começo dos anos 80.
Em 1989, ano do bicentenário da revolução Francesa, vimos Paris em festa, num julho que fiquei quase todo na casa dele, pertinho do Bois de Vincennes. Depois pegamos um carro e viajamos com nossas companheiras e uma amiga nossa até Berlim. Meses antes do muro cair. Quanto falamos a respeito disso. Antes e depois de Berlim Oriental acabar.  Fomos testemunhas oculares de uma Europa que se dissolvia . Até hoje creio que para pior.
      Quantos sanduíches, porções de fritas, calabresas e provolones partilhamos juntos com amigos em comum, diante do antológico balcão da padaria do portuga Benjamin, ali na Lapa de baixo paulistana. Amarramos nossas vigorosas juventudes a sonhos que não deixávamos escapar. Aquecíamos nossos invernos com conhaques e emoções baratas. Achávamos que o mundo diante de nós era vasto mas transponível com ternura e com afeto.
      Vocês me desculpem  de verdade. Mas falar de um amigo perdido é entrar no labirinto das emoções comuns, dos sentimentos que afloram, deságuam nos olhos, deixam o coração partido. Não estou aqui hoje pensando sequer em melhorar meu estilo  de escrever que já não dá para grande coisa num país pouco afeito à palavra. Estou aqui para dizer que amigos perdidos nos deixam, sim, com aquela sensação de orfandade. Dá vontade de ralhar com eles dizendo: "Ô meu, você se mandou antes da hora. Como vai ser possível levar o barco sem você do lado? Você faz parte das minhas lembranças mais caras da juventude".
    O que acontece é que esse meu amigo, muito bom pra cunhar frases definitivas, dizia duas que me acompanham desde sempre. Uma delas, especialmente quando discutíamos gostos musicais, ele gostava de repetir : “Gosto não se discute. Se deplora”. A outra é que diante de um quitute bom que logo acabava ou de uma situação alegre que logo findava ele dizia:  “Pouco , mas bom”. Pois é, meu amigo, como a sua vida: pouca, mas boa. Tão boa a ponto de deixar apenas lindas lembranças àqueles que ficam nessa nau dos insensatos. Por sua culpa, hoje os meus leitores ganharam uma crônica muito “mixuruca” mas cheia de afeto por você e pelos bons tempos. Se você não está contribuindo agora para eu ser um cronista melhor, pelo menos vai me deixar com um lindo repertório de boas lembranças e histórias para contar para os que ficam. Vai com Deus, "bundalhão".
*Ricardo Soares é diretor de tv, escritor , roteirista e jornalista. Foi cronista do “Estado de S.Paulo”, “Diário do Grande ABC”, “Jornal da Tarde” e da revista “Rolling Stone”.

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