A tarde de sua ausência

       



    Tudo em Carlos Heitor Cony é matéria de memória. Não só pelo livro "Quase Memória" ,que o levou a uma segunda vida literária, mas o conjunto da obra. Cony era um romancista e articulista muito conhecido no início dos anos 60 quando  veio o golpe militar que primeiro apoiou e depois esconjurou. Isso lhe valeu um ostracismo, exílio que ele cumpriu em grande parte trabalhando como ghostwriter de Adolpho Bloch. Eu mesmo o vi no começo dos anos 80 batucando um editorial ao lado de Adolpho que ditava o que queria dizer . Entre os dois uma enorme bandeja de jabuticabas. Cena de filme.
       Pois bem. Acabo de ler "A Tarde de sua ausência" outro dos muitos romances curtos dele lançado há alguns anos. É Cony puro. Cony na veia do seu desalento , na sua poética desesperança que sempre nos traz de volta cenários antigos de um Rio de Janeiro do passado. Aqui a Ipanema é outra, Vila Isabel é outra , outros são os tempos. Tempos representados pela agonia e queda de um casarão de Ipanema que literalmente desmorona junto com a ruína da família. Seria mais uma sinopse de um novelão mexicano não fosse a habilidade de Cony em nos conduzir entre as palavras fazendo com que frases, períodos e capítulos virem sensações. Cony, ame-o ou deixe-o sabe escrever como poucos.
      Em 1998 quando eu estreava o primeiro programa "Literatura" ( exibido até 2005 em várias emissoras de TV) levei Cony para prosear. Um dos meus escritores preferidos ele foi um dos três convidados. Outro foi Marcos Rey, um dos meus preferidos também. Completava a lista do primeiro programa a escritora de infanto-juvenis Márcia Kupstas,muito querida e competente no que faz e que anda sumida.
        Naquele programa Cony, sempre um gentleman,  seguiu no seu sempre cálido desalento que antes de ser uma característica de sua literatura é um certo jeito de ser dele. Tive outros e agradáveis encontros com Cony e vim aqui só para dizer o quanto gosto do que ele faz. Convivendo há muitos anos com uma doença Cony dialoga com a morte com aparente serenidade. Ele mesmo me disse isso com outras palavras . E por que evoco aqui a "desdita das gentes" ? Apenas para pedir que ela demore a nos levar o Cony pois será muito triste a tarde de sua ausência.

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