Não é doce morrer no mar


 
publicado originalmente no portal Dom Total.(Clique aqui)

 Dorival Caymmi estava errado. Como vimos na trístissima imagem do menino sírio morto na praia, não é doce morrer no mar. Não vou ficar falando mais dessa foto que retumbou mundo afora nos causando estupefação diante de nossa própria insensibilidade. Causou estupor até entre nós tão infelizmente acostumados a meninos mortos. Até porque meninos morrem na pátria "desamada" e desalmada  todos os dias. Em calçadas, vielas, becos e terrenos baldios onde são largados muitas vezes pelas mãos policiais que os deviam proteger. Aqui, literalmente, o humanismo morre na praia.
   Morrer na praia é um eufemismo, ou uma metáfora se você preferir, amplamente utilizado no imaginário nacional pra definir tudo aquilo no qual longamente acreditamos, mas que no fim dá em nada. Quem já não ouviu ou disse que a esperança, o medo, os sonhos, as eleições ou nossos times "morreram na praia"?
   Desnecessário dizer que a imagem do menino morto sintetiza como nunca o tempo em que vivemos. Naquela solidão inerte e molhada, quantas mães nesse mundo não quiseram colocar aquela criança indefesa em seus regaços? Quantos milhões planeta afora tiveram os olhos a marejar diante daquilo? Se pouco ou muito vamos fazer diante da cena não cabe aqui especular. Somos mortais e superficiais. O que pretendo prosear com vosmecês é justamente esse terrível jeito que a gente acaba por adquirir em se acostumar com o conceito de morrer na praia.
  Todos dizem que as utopias morreram na praia e a gente diz amém. Todos dizem que sonhos, bons planos e bons astrais morreram na praia nesse Brasil desgovernado que desce a ladeira sem freio de mão. E também dizemos amém. Avesso a patriotadas, a patriotismo ufanista que diferencia as pessoas e pede a volta de milicos no comando, eu me recuso a crer que o Brasil está morrendo na praia. Vou continuar me debatendo no meio dessa água suja e salgada e nem vou me afogar. Até porque seu Caymmi, pelo menino sírio e por todos nós, não é doce morrer no mar não.
*Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, jornalista e roteirista. Autor de 7 livros foi cronista dos jornais "O Estado de S.Paulo" , "Diario do Grande Abc", "Jornal da Tarde" e da revista "Rolling Stone".

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