A ESPERA DE NOVAS COLHEITAS


A ESPERA DE NOVAS COLHEITAS



Me lembrando de uma vez que escorreguei barranco abaixo e sua mão estava lá para me amparar.
Hoje se falamos de mãos a nos amparar aparecem muxoxos em volta como se todos pensassem : “ Xi, lá vem papo de auto-ajuda”.

No entanto mãos que amparam são bem vindas.
Mãos que são anteparos são bem vindas.
Mãos “calientes”a nos envolver os rostos rotos são bem vindas.
A lembrança da mão paterna ou materna a nos afagar acalenta.
A lembrança de nossas mãos agradando nossos filhos ou cães reconforta.
Para que escrever então se não sei quem está do outro lado da porta ?
Escrevo sim também para acalentar e ser acalentado.
Escrevo para que o sol entre por frestas , escrevo para continuar cultuando todos os lugares comuns que nos fazem felizes.
Escrevo porque preciso, escrevo porque marejo, escrevo porque manejo as palavras como sei fazer e ninguém tem nada com isso ou tem tudo com isso na medida em que o texto lhe serve ou não.
Escrevo porque não sou Borges, não sou Eça, não sou Henry Miller e nem Salinger, não sou Gabo, não sou Rulfo, sequer vivo do que escrevo no meu país sem leitura. Escrevo pra fugir deles e suas opressoras influências e talentos.
Escrevo porque andei errado , escrevo porque acertei, escrevo porque sou tentado, porque vivo zonzo , porque não sei que desafios procurar aos 57 anos.
Então me lembro que sua mão às vezes estava lá para me amparar. E não estou falando de auto-piedade, estou falando de precisão. Porque preciso da sua mão, preciso de mão dupla, de muitas segundas vias, de pistas com seguros acostamentos.
Percorri muito mas olho pra trás e não vejo muita coisa.De que valeu ? Filhos criados,efêmeras vitórias e elogios numa carreira que não interrompi por opção e sim por circunstâncias ?
Diante de mim um velho postal me mostra “soldados do Everest”, homens que subiram , perderam e ganharam batalhas contra o maior pico do mundo. Sou mais modesto. Encararia se pudesse o pico da Neblina ou até subiria ao alto do Jaraguá, aqui em São Paulo, se não temesse os bandidos do caminho. O que valem são os desafios ...e onde eles estão ? por que apunhalam assim minha geração ? 
Estico sua mão e espero receber a sua. Quiçá dê para a gente remar junto. Se não estou a deriva parece que estou perto disso. Aquilo tudo que eu acreditava não mais existe.É um mundo morto e paralelo. Não me acho entre os escombros e tenho até receio de confessar que tenho medo pois ter medo não nos é permitido. Nem mesmo o elogio da tristeza porque a tristeza não faz saldo médio em banco chic, não paga contas , não é produtiva num país desgovernado por um arrivista com cara plastificada.
Minhas mãos puxam as suas para um abraço. O abraço é o caminho mais curto para a tal comunhão solidária. Afinal somos ou não sobreviventes ? estamos ou não no mesmo barco ? Espero que sua mão esteja lá quando eu escorregar no barranco . Em troca eu também ofereço a minha mão, envergonhado porque ela é macia diante de lidas leves se comparadas àqueles que labutam na enxada. Mas como a gente do mato eu lavro, ou tento lavrar. Esperando por outras e melhores colheitas...


Ricardo Soares, 19 de julho de 2016, 13 e 10, Granja Viana.

Comentários

Postagens mais visitadas