O joio e o trigo da literatura brasileira

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    Durante oito anos e oito temporadas escrevi, dirigi e apresentei os programas “Literatura” e “Mundo da Literatura” originalmente produzidos para a então rede Sesc/Senac de Televisão e veiculados por outras emissoras educativas em canais abertos e fechados Brasil afora. O programa me deu a rara chance de mapear a produção literária nacional conversando com quase todos os autores nacionais consagrados, os então emergentes e os injustiçados.
   Procurei pautar a busca pelos autores pelo critério vago e subjetivo do que considerava boa literatura e não pelo mercado. Isso não quer dizer que não levei ao programa autores do mercado mas não deixei que critérios puramente comerciais pautassem a linha do programa que contava, aliás, com uma equipe eficiente a quem sou grato até hoje.
   E por que faço um balanço tardio de um programa que teve sua derradeira temporada em 2005? Justamente por constatar o quão dinâmico é o tal mercado e quanto ele nos joga goela abaixo tanta “novidade” literária que não é novidade alguma. Se me ressinto da ausência dos programas que fazia a essa altura não é por vaidade e sim porque fiquei distante justamente desse movimento editorial que lança joio e lança trigo com uma velocidade insana que mal dá tempo para a assimilação , digamos, dos “novos valores”. Assim sendo nada sei sobre autores – como Julian Fuks e Noemi Jaffe – que surgiram após o fim do programa. Por isso toda vez que não quero dar bola fora a respeito peço consultoria a gente mais antenada com as novas freqüências como a prezada Mirna Queiroz da revista Pessoa.
    Diante desse panorama visto da ponte muita coisa pode então ter me passado desapercebida e posso ter cometido erros em meu juízo de valor sobre a recente produção literária nacional. Mas algumas de minhas impressões – hoje de um observador mais desatento se comparado com o profissional que fazia os programas de literatura - são corroboradas por outros autores mais atentos do que eu ao atual panorama. Dia desses, por exemplo, encontrei com o escritor Ronaldo Cagiano em uma livraria em São Paulo e ele concorda comigo que continua a vigorar a lei do mercado nas relações entre autor-editora-mídia e que muito joio é vendido como trigo num universo onde a pretensão dá o tom. Ou seja, não estou sozinho em minhas “incautas” e atuais percepções. Outros autores como Ademir Assunção, Márcia Denser, Roniwalter Jatobá, Nelson de Oliveira e André Sant’Anna pensam parecido embora eu não tenha procuração para falar em nome deles.

    Volto a esse tema especialmente por suas questões que me causam grande perplexidade: quem lê tanta “novidade” em país de baixas tiragens? O que de fato tem relevância já que na minha modestíssima opinião muito do que de melhor foi e é produzido anda não só fora do catálogo como não tem a devida divulgação. Cito nomes a esmo que vão dos esquecidos e talentosos Ricardo Guilherme Dicke, Campos de Carvalho a Samuel Rawet passando por Vicente Cecim , os próprios já citados Roniwalter, Ademir Assunção e Márcia Denser a Oswaldo França Jr. , Roberto Drummond , Julio César Monteiro Martins, Joaquim Nogueira, Marco Antonio Lacerda e muitos mais. Repito que lancei nomes a esmo e me desculpo por omissões porque a lista, infelizmente, é grande e como lembrou Cagiano em nosso encontro boa parte dos autores aqui citados sequer foi lida ou assimilada pelos que agora são vendidos como “novidades”.

   Criticar as “novidades” não é um gesto rancoroso, pois são elas, afinal, que dão alento ao mercado que precisa ter o que vender. O que me incomoda é que a “novidade pela novidade” seja um critério de excelência quando na verdade é apenas um critério de precedência. Sobretudo porque na maioria das vezes vende-se o tal joio como fino trigo. O pior é não sobrar espaço algum para a reflexão, a leitura atenta e digestão de tantas publicações para tão poucos leitores.O resultado disso tudo no entanto parece não incomodar grande parte desses “novos” autores que (ao contrário de veteranos escaldados) ostentam seus galardões de “escritores” sem o menor constrangimento e sem ler, sem sequer reconhecer que não inventaram a roda agora e que não deveriam vender como novidade o que é apenas reciclagem. A literatura brasileira contemporânea, por sorte, não começou com eles como querem fazer supor.
    Espero que em algum momento exista pois a tal reflexão sobre que tipo de ficção o Brasil está produzindo porque a essa altura- gostaria de estar equivocado – parece que o que anda sendo publicado é bem pior do que o período entre 1998 a 2005 quando eu fazia programas de literatura para a televisão.
(publicado originalmente no DOM TOTAL. (clique aqui)

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