Arqueologia de si mesmo



     Ando por esses dias em volta de alfarrábios pessoais. Uma arqueologia de mim mesmo motivada por uma visita há dois dias a um apartamento onde morei mais de 20 anos e já não moro há 14. Por razões que eu mesmo desconheço - provavelmente nada além de procrastinação - grande parte da minha biblioteca e dos meus escritos, antes  e até os 40 e poucos anos, lá permanecem e em breve,  finalmente, resgato tudo. 
   Mexer em alfarrábios é um pouco doloroso mas também traz alento e redenção. Trouxe livros antigos desse  ex-apartamento e entre eles encontrei um  da Renata Pallottini, publicado em 1980 pelo Massao Ohno que tem o nome de "Cantar meu povo" com um poema chamado "Enfarte" que me cabe como uma luva.
   No meio de tanto entulho - ou nem tanto- de minha vida passada achei uma porção de originais de poemas completos e incompletos, contos remotos, livros inacabados . A grande maioria deveria mesmo ter ficado esquecida. Mas alguns  textos como o que está acima e abaixo (datado de 24 de dezembro de 1994) escondem vagas emoções e pensamentos imperfeitos com burilação mais imperfeita ainda. Mas, tem lá seu valor... vai ver que só eu vou achar isso mas achei , digamos, bem esquisito esse poema perdido há 23 anos e sem nome.Aliás rogo ao prezado leitor que sugira um título para ele. Nunca fiz isso. Pedir sugestão de título de poema a outrem. Mas acabo por constatar que devo começar a fazer tudo aquilo que não fiz. Ou não fiz direito. Vai ver esse é o tolo resultado de se fazer a arqueologia de si mesmo. Pelo sim, pelo não, transcrevo também o poema abaixo pois os garranchos acima são difíceis de entender.


Sou porque sou
Porque Dante navegou
Camões perdeu o olho
e Pessoa ainda chorou

Sou porque sou
bituca de cigarro
escarro no cinzeiro
porque não faço rock com caneta tinteiro

Agora Elvis desafinou
na rima rica de Rimbaud
e no repente do rap
uma língua de fogo 
meu tênis queimou

Sou porque sou
blues da Bahia
reggae do Maranhão
não se oferece fôlego de gato
a quem tem vida de cão


                                           Ricardo Soares  24/12/94. Madrugada

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