UM PAÍS SEM VARANDAS GOURMET


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   Diante de nossa brutal letargia cotidiana a respeito dos lamentáveis acontecimentos que  retardam e ultrajam o país republico aqui crônica recente do DOM TOTAL ( original está aqui ). Nossa vocação de cordeiros nos levará a imolação. Então faço o pouco que me resta. Balir na minha trincheirinha.

UM PAÍS SEM VARANDAS GOURMET



  O que somos além de norte –sul- leste –oeste?Partes desconexas sem almas perplexas? Não temos coesão, indignação nacional, nem modesta estupefação regional conforme o cadinho de conveniências?O que somos então ? o esquete de um bufão, um arremedo de nação, uma longa fábula tropical em busca de identidade ?
Confesso minha total perplexidade pois diante de tanta esculhambação, tanto desalento e tanto retrocesso eu esperava muito mais. Pois na verdade me parece uma pátria de anestesiados muito embora alguns  abnegados saiam às ruas para tentar convencer a maioria de que estamos naufragando . Em vão. Porque somos uma pátria no vão da escada da civilidade, um arremedo de cidadania, elos soltos que não formam uma massa compacta que grite  “basta” !
De verdade não derrubamos ainda Bastilha alguma e sequer refletimos sobre os nomes de nossas estradas. Raposo Tavares, às margens de onde moro : o sujeito era um genocida , um sádico , um assassino de índios e fica por isso mesmo. Né Fernão Dias, Anhanguera, Borba Gato e tudo mais ? Cultuamos falsos heróis nacionais. Exemplo ? O coxinha automobilista imolado no alto de sua alienação num acidente trágico quando tudo o que fazia era correr pra si mesmo levantando o estandarte pátrio para que todos tivessem direito a gasolina azul. Virou herói nacional como outros tantos mata –borrões que nos ensinam conceitos errados como se fossem certos. Essa é a valsa para a qual nos tiram para dançar ?
Hão de dizer que nós que assim escrevemos somos céticos, pessimistas, rancorosos, não propensos aos mistérios gozosos que a pátria –mãe gentil nos anuncia. Mas o que se passa é que jogamos a criança saudável, ética, honesta no fundo da pia e ficamos com a placenta corrompida. Acharam a comparação de mau gosto ? então reflitamos... aqui se matam negros, pobres, gays, trans , posseiros e chamam de arruaceiros os que reivindicam direitos. Mas ai se alguém macular um menino lindo e louro da classe média, ai se tocarem em vão em nomes santos que em nada contribuíram para o bem da nação. Qual nação, pois não ?
Não lhes parece curioso que ainda hoje quando alguém quer forçar erudição cite “Casa Grande e Senzala” do Gilberto Freyre ?  Mesmo isso é curioso na medida em que cresceram pouco – mas sempre firmes e fortes- as casa grandes e se multiplicaram as senzalas urbanas e rurais embora todo mundo disfarce e diga que não.
O país se desmancha  mas a patuléia diz sim. Vence quem diz sim, quem concorda, quem não discorda, quem esconde opiniões na “firma”, nos encontros sociais, quem não se compromete, quem gosta de estar em lugares que tem “gente bonita”, descolada, “alto astral”. Pare de reclamar e produza! Não é essa a lógica perversa tida como normal ? Quando um cabrito berra não é visto como estraga-prazeres ?
A nossa indiferença coletiva me assusta. Achei que fosse coisa do condomínio metido a chic onde moro, achei que fosse coisa de vizinhos imbecis que se imaginam donos da calçada e da iluminação publica, achei que fosse coisa da classe média preocupada com free-shop, shopping –center, câmbio vantajoso e pacotes turísticos para fora do nosso inferno. Mas que inferno já que todos parecem fingir que tudo está normal ?
Sinceramente eu não sei em que país estou vivendo. Porque se seguirmos sendo essa nação bovina que se deixa abater sem mugir , se não nos indignarmos fortemente , se não exigirmos que parem de nos desgovernar estaremos indo mais e mais depressa para um fosso enorme, escuro e fétido. E por favor não ponham a culpa no meu inferno astral quando afirmo tudo isso. Olhe além dos próprios  umbigos e percebam que a casa está caindo e você está preocupado com uma varanda gourmet que não mais existe.
Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, roteirista e jornalista. Dirigiu 12 documentários e publicou 8 livros.O mais recente é o romance “Amor de Mãe”.
           

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