Bagos de feijão noite adentro

     
(...)Na minha tosca tentativa de ser um poeta relevante usei mais de uma vez a imagem dos bagos de feijão afundando num copo d’água pois esse ritual noturno acompanhava sempre a pós- degustação do jantar frio que minha mãe deixava sobre a mesa da cozinha e eu encontrava quando chegava tarde da noite em casa. Ao lado do meu prato vazio sempre ficava uma minúscula esteira de vime onde minha mãe já havia separado o feijão “escolhido” para o dia seguinte. Então, naquele momento pós janta, tarde da noite, eu jogava meia dúzia de bagos  dentro de um copo d’água e o gesto sempre me evocava lembranças remotas que eu imaginava ter. Mas aos 16, 17 anos ninguém tem lembranças muito remotas.

     Sinto frio toda vez que lembro dessas imersões. Talvez porque eram feitas em noites de inverno mas tudo pode ser apenas uma suposição minha. Só sei que sinto frio e ainda escuto meu pai tossir no quarto de cima mergulhado no seu décimo sono. Só sei que olho com tristeza as inúmeras manchas de umidade que estão na parede do corredor que sai da cozinha e vai para a sala.  Manchas das quais minha mãe se envergonha talvez porque sejam um contundente atestado de nossa pobreza pois meu pai não tem dinheiro pra arrumar aquilo(...)

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