Madalena bêbada de blues


eu , logo ali ao fundo,camiseta escura, no ombro à esquerda do caboclo de camisa xadrez

Como a peça segue em cartaz por mais um mês republico aqui minha crônica do DOM TOTAL    (clique aqui) dando conta dessa experiência teatral única. 
Leo Lama é dramaturgo. Leo Lama é filho de Plinio Marcos, um dos nossos maiores dramaturgos. Filho também de Walderez de Barros, uma das mais completas atrizes do Brasil. Isso que é "pedigree" diriam incautos leitores. Sim, mas pedigree não garante nada . Leo Lama ao escolher a dramaturgia- filho de quem é - poderia quebrar a cara. Não quebrou jamais e nem se deixou levar pela angústia da influência paterna ou materna. Muito menos agora se levada em conta a encenação de "Madalena Bêbada de Blues" que prorroga por um mês a  temporada paulistana no teatro Sérgio Cardoso o que dá chances de quem não assistiu ainda assistir .   
Fosse eu um patrocinador daria chances imediatas em outras plagas do país a essa peça do Leo Lama porque é teatro em estado puro com o perdão do clichê. Texto vigoroso escorado na bela interpretação de três sensacionais atrizes de gerações diferentes   (Dani Nefussi, Silvia Poggetti, Ana Tardivo) que ao fim e ao cabo fazem o papel da mesma personagem , em busca do teatro, em busca do amor, em busca do maior ator do mundo que simbolicamente agoniza numa massa imunda de sangue, vômito e escarro num banheiro fétido que o espectador só imagina pois em cena nada estão além das três atrizes, sentadas em repouso, ao lado dos espectadores,  num círculo que se estabelece cúmplice tão logo começa a peça. O texto é desafiador, poético, lírico, magoado. Nem capricho nem escracho. Na medida certa diante de uma mirrada dramaturgia nativa tão pródigo em oportunistas globais e vanguardistas de mercado.
Confesso que vivi e acompanhei como profissional de jornalismo cultural e dramaturgo bissexto melhores dias no teatro brasileiro. Assim fui assistir sem grandes expectativas o espetáculo do Leo (que além de escrever a peça a dirige e de certa forma fica em cena com as atrizes durante a apresentação)  não por indiferença a ele mas porque me acostumei a não alimentar mais nenhuma expectativa em relação ao teatro nacional. Daí que foi uma baita boa surpresa. Os espectadores não tiram os olhos das atrizes, saboreiam o texto e a idiossincrasias dele sabendo que o que está ali em jogo é tão somente o talento, a força, uma densa energia que percorre corações e mentes e todos sentem, podem crer. Não há jogos de luzes, não há encenação além das atrizes sentadas, não há música além de alguns mantras que elas próprias entoam.
Há tempos eu não vivia uma experiência teatral  tão rica  e ao mesmo tempo tão simples. Madalena Bêbada de  Blues é um presente do Leo Lama para sacudir nossas sensibilidades em tempos tão insensíveis, insípidos e inodoros. Até a respiração e a pausa das atrizes nos conecta com a essência do texto. Não há vazios apesar do silêncio. Então o espetáculo não é como Chacrinha que acaba quando termina. A sensação que nos deixa flutua com a platéia naquela coisa típica de cumplicidade de amigos na chuva.Não sendo íntimo do Leo Lama e nem das atrizes me senti irmão deles todos ao fim da encenação. E talvez assim seja no momento onde mais do que nunca devemos formar uma fraterna confraria contra a imbecilidade cultural coletiva. Que estejamos bêbados de blues, de poesia, de boas palavras. Vida longa a essa Madalena nada arrependida.
* Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, roteirista e jornalista. Publicou 8 livros, dirigiu 12 documentários e é co- autor das peças " Olho da Rua" e "Quatro Estações" dirigidas por Beth Lopes.

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