A AFUNDAÇÃO DA EBC

Recentemente a EBC completou 10 anos.Não há motivos para comemoração mas,talvez,para reflexão. O sonho de comunicação pública independente faliu. A pá de cal foi sim dada pelos golpistas. Mas , durante o processo,  teve uma baita ajuda de gestões equivocadas que jamais priorizaram conteúdo e sim politicagem e planilhas. Reproduzo no meu blog a crônica que publiquei no DOM TOTAL . (original aqui)
Por Ricardo Soares*
A EBC - Empresa Brasil de Comunicação - está completando 10 anos hoje e eu não queria estar escrevendo um texto com essa abordagem para "comemorar" a data. Recentemente uma ex-presidente (a primeira) da EBC  publicou um texto protestando contra a intenção do governador Geraldo Alckmin de extinguir algumas empresas estatais caso for eleito presidente da República em 2018, hipótese aterradora não só para os paulistas que conhecem os métodos do "santarrão". A ex-presidente levanta-se sobretudo contra a postura de Alckmin em fechar  a EBC pois é na comunicação publica que pode haver "amplo espaço para a oferta de diversidade de conteúdo e para a formação da cidadania" segundo reza o estilo da "senhoura" em questão.
Como muitos sabem a comunicação pública no Brasil tal como deveria ser está extinta pois tanto a EBC como a Tv Cultura de São Paulo não tem independência alguma no noticiário ou na programação manipuladas que são pelo ideário golpista (a primeira) e pela ideologia tucana (a segunda) . Isso não justifica que nem uma nem a outra devam ser extintas e sim reconduzidas à sua função original o que parece ser uma utopia distante diante do atual quadro político nacional.
A ex-presidente da EBC questiona então Alckmin : por que fechar a EBC caso seja eleito e não a Tv Cultura ao longo dos anos que desgovernou São Paulo ? É muito simples: a tv Cultura consolidou uma larga, longa e sólida tradição de excelência mesmo que hoje esteja desmantelada. E é na Tv Cultura que Alckmin emprega muitos apaniguados . A EBC hoje "auxilia" os queridinhos do governo Temer. Ou seja, são "grupos" diferentes para não usar aqui uma expressão mais contundente para definir a alcateia de mal intencionados que levou a comunicação pública ao fim da picada.
O que muita gente nunca entendeu é que é estúpido e ilógico o argumento de que “não tem audiência, tem que fechar” . Essa é a premissa da tv aberta comercial , da tv fechada comercial e não de emissoras públicas que deveriam em tese dar "janela" para experiências criativas, originais , inovadoras, inclusive mostrando o que se produz em todo o país e não apenas no manjado eixo produtivo "Rio- São Paulo".  Isso sim é dar espaço para a cidadania e não adotar o modelo de gestão da ex-presidente que quis transformar a EBC numa versão pública da Globonews batendo de frente com outros integrantes da primeira diretoria oriundos do Ministério da Cultura. Essa guerrinha fratricida fez inclusive buracos graves no casco da recém criada EBC há dez anos. Mas isso nem a ex-presidente nem muitos colegas que integraram várias diretorias querem abordar fazendo coro com outros setores de gestão de governos passados que não iniciaram nenhum processo de autocrítica construtiva.
Muitos dos males que afligiram a EBC antes de sua melancólica derrocada atual foram criados por aqueles que poderiam ter conduzido a tal "missão" da empresa em outra direção mas não o fizeram. Ou porque não quiseram ou porque não puderam. Foram eleitas metas absolutamente equivocadas e burocráticas como se a EBC não fosse uma empresa divulgadora e produtora de conteúdos e sim um braço pesado e modorrento da burocracia estatal. Foram discutidos planos a longo prazo, produzidas toneladas de relatórios e reuniões inócuas como se o grupo que estivesse no poder fosse ser perpetuado . Não contavam com a alternância de poder, com ou sem golpe. Até o tal Conselho Curador do qual dirigentes passados se ufanam jamais prestou seu verdadeiro serviço a "missão" da EBC na medida em que não representou a sociedade e sim interesses específicos e - para usar a verborragia da ex-presidente-  "pouco republicanos". Temer e seus lacaios destruíram o tal Conselho Curador. Aquele que foi sem nunca ter sido.
Confesso que há dez anos me encheu de orgulho ter visto um texto que escrevi inaugurando ao vivo as transmissões da EBC. Hoje, melancólico, olho para trás e me dou conta que elegi muito mais de uma década de trabalho a um sonho que não se concretizou. Apostei nos cavalos errados e lamento por mim e muitos outros colegas e amigos cúmplices dessa aventura. Queria ter motivos para soltar rojões. Não os tenho. Tanto a  EBC como a Tv Cultura precisam ser restauradas, remodeladas inclusive adaptando suas plataformas aos novos tempos da comunicação. Esse sim é o grande desafio de qualquer governo que seja eleito em 2018. Extinguir de vez e de fato a comunicação pública seria mais um passo em direção ao abismo civilizatório. Melhor erguer das cinzas o que está calcinado do que enterrar de vez os ossos de um sonho que acabou.
* Ricardo Soares é diretor de tv, roteirista, escritor e jornalista. Exerceu inúmeras funções na Tv Cultura -Sp ao longo de uma década. Foi gerente de produção da Tv Brasil (2007-2009) e diretor de programação e conteúdo da EBC (2013-2014).

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