LOIRINHA

                                

            E aí meu anjo ? de dentro da tv te assisto quando se vira de costas para o espelho e empina a bunda comparando as marquinhas de sol de dois biquínis diferentes. Não há um só sinal errado no teu corpo esguio, delgado. Não há um só deslize, uma curva que termine torta ou uma peça que se desencaixe da outra.  Daí ser um paradoxo a vida :  o que mais admiro é aquilo que me faz mais padecer. O que quero é o que os outros vão querer. O que me pertence por afeto, aos outros, por dinheiro, vai pertencer.
            Por que Deus em um dia não santo deu de inventar anjos como você ? por que deixou  que esses anjos – como você-  se batizassem com nomes angelicais ,  flanassem no mundo cheio das asas da carência, roçando penas alvas e macias nos rostos dos pagãos ? por que , enfim, anjos como esses caem em tantas mãos ?
            A mim, mortal ,um anjo como você me chega para trazer conhecimento. Para que eu renuncie  à minha garbosa auto-estima, para que aprenda a dividir o que não é meu , para que saiba que o afeto encerra afeto e transcende o toque, para que entenda que muitas são as nuances do gozo e muitos são os medos da vida. Um anjo chega direito para que eu veja o  torto, o míope, o trôpego de amor que sempre fui. 
Suburbana.  O primeiro namorado a encurralava contra o poste na entrada da viela. Colocava o joelho pontudo entre as pernas. Queria morder.
            --- Não , não, pára...
            --- Deixa, vai, deixa...
            Não deixava. Quinze anos e percebia que ele ficava todo todo embaixo das calças largas. Gostava de fazê-lo sofrer.  Perversa, já tingia os pelos dos braços e pernas. Sacudia os ombros largos, jogava a cabeleira para trás e com um rabicho de olho piscava. Tinha seios enormes e duros. Desproporção belíssima para uma menina de sua idade. Abusava do juízo alheio usando camisetas  sem sutiã, brancas e justíssimas e shortinhos cavados. Suspiro dos taxistas, taquicardia dos velhinhos que jogavam dominó na padaria  Flor da Beira Alta.
            --- Ai, ai, ai menina ...
            Saía com o maço de Hollywood do pai , pãezinhos frescos e duzentas gramas de mortadela.
            ---  E a Malzibier da tua mãe  você não leva hoje ?
     --- Hoje não... Malzibier é cerveja pra mulher que tá amamentando seu Ramiro...
            E ria, lasciva, balançando os seios.
            Em casa, no quarto adornado com bonecas , colocava as calcinhas de algodão sobre a cama e as contava. Gostava das pretas e sonhava usar ligas, adereço proibido pela mãe. Contava as calcinhas e as experimentava diante do espelho. Apalpava as próprias nádegas, testando a consistência. Segurava os seios em bojo e com o dedo indicador direito tocava os bicos empinados. Ainda não sabia muita coisa. Mas intuía tudo. 
            Os anjos como ela tem perfume. Barato talvez. Mas com rastro. Aroma que ultrapassa limites da pele e gruda nas paredes do carro, da  casa, da grossa colcha de algodão azul que mesmo pendurada na janela em dia de sol não se liberta do  cheiro adocicado. Anjos, como já me diziam os poetas antigos, cheiram forte, pedem caprichos, velas, altares, pentes e escovas finas que lhes desembarace os cabelos. Os dela, sinceramente, já nem sei mais de que cor são. Anjo descolorido ela me pega na mão e pelo tato faz com que eu adivinhe tons. Esses são alguns dos seus milagres. ( o conto é bem maior e caso gostem um dia animo a publicar)


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